terça-feira, setembro 02, 2014

Nefelibata(s)?

I

Céu: todo o território onde a vida é mais leve do que o ar.
Para os mais velhos, um lugar desprovido de passado,
como existir o canto de uma ave, sem que exista ave
O lugar para onde ascendem os sonhos, inclusive os maus.

II

Viagem: todo o movimento de aproximação de uma
pessoa a outra. Movimentos de fuga não são viagens.

III

Noite: o vazio que há entre as estrelas. A solidão pode ser
também uma representação da noite- digamos, o vazio
que há entre as pessoas.

IV

Terra: para a maioria dos filhos do céu, a terra é uma
fantasia dos velhos. Para os velhos é um sonho no qual eles
próprios já não acreditam.

V

Magia: chama-se magia à forma como o sonho interfere
com a realidade, modificando-a. O céu foi sempre um
território propenso à magia. Em quase todas as antigas
religiões, magos, profetas e deuses manifestaram-se a partir
do céu, ou representantes ao céu depois de se manifestarem.
Magia é haver tanto céu.

VI

Mar: o céu em estado líquido. O princípio e o fim de
tudo. Em quimbundo, e em vários outros idiomas
africanos, a palavra que nomeia o mar é a mesma que
nomeia Deus. É o lugar para onde vão os corpos das
pessoas depois que morrem. As almas, creio, continuam no
céu- ou vão para um céu acima deste. Essa é uma
questão em debate. O céu dispõe-se em camadas, como
uma cebola infinita. Por mais que a descasquemos, há
sempre céu.

VII

Voar: esforço de desmemória que consiste em extrair da
mente todo o peso do real.

VIII

Identidade: não tem a ver com o lugar onde nascemos,
pois no céu tudo é movimento, e sim com os lugares
por onde passamos. Identidade é o que a viagem faz de nós
enquanto continua. Só os mortos, os que deixaram de
viajar, possuem uma identidade bem definida.

IX

Sonhar: exercício que consiste em imaginar o impossível,
para depois o realizar. Como voar.

X

Nuvens: água em estado onírico. O alfabeto do céu.

XI

Esperança: é o nome que damos às nuvens quando nos
falta a água.

XII

Vida: é tudo o que sonha.

XIII

Epifania: um súbito e quase milagroso sentimento de
 compreensão de algo. Um relâmpago íntimo e silencioso,
 capaz de dividir a vida de uma pessoa em duas partes-
atrás a escuridão, adiante uma luz redentora.

XIV

Luz: o que fica dos sonhos depois que nos atravessam.

XV

Liberdade: condição de um ser não sujeito ao
constrangimento de limites físicos ou de pensamento.
A possibilidade de correr sem tropeçar em muros ou
paredes, ou sem cair no vazio. O capim crescendo para
o céu. O destino de todos os perfumes, em particular do
cheiro da terra molhada.

(O melhor da viagem é o sonho)

Excertos de A Vida no Céu de José Eduardo Agualusa

Um obrigado (Mónica) (Martins).

Gustavo Neves Lima

sábado, agosto 16, 2014

O Captain! My Captain!

O Captain! My Captain! our fearful trip is done;
The ship has weather'd every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:

But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.
O Captain! My Captain! rise up and hear the bells;
Rise up—for you the flag is flung—for you the bugle trills;
For you bouquets and ribbon'd wreaths—for you the shores a-crowding;
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;

Here captain! dear father!
This arm beneath your head;
It is some dream that on the deck,
You've fallen cold and dead.
My Captain does not answer, his lips are pale and still;
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will;
The ship is anchor'd safe and sound, its voyage closed and done;
From fearful trip, the victor ship, comes in with object won;

Exult, O shores, and ring, O bells!
But I, with mournful tread,
Walk the deck my captain lies,
Fallen cold and dead.


Walt Whitman in 1865

quinta-feira, julho 17, 2014

Citação de George Box

 "all models are wrong - some are useful."

Parece-me um bom ponto para tentar compreender um mundo complexo. Não o tentar compreender é pior.

sexta-feira, março 29, 2013

Black Mirror

Brilhante sátira de 2 séries em 6 episódios! Melhor série que alguma vez vi em crítica à sociedade atual e aos nossos comportamentos. Ao facebook. Ao twitter. Ao estar constantemente "online". À forma de estar, e viver. Um muito obrigado Luís Valle Gonçalves por me teres dito para a ver. UAU. Marcou o momento, e faz-me repensar. Um "add" a distopias...como o "mil novecentos e oitenta e quatro" do Orwell ou do "Admirável Mundo Novo" do Huxley.. não fosse isto produzido para a Endemol. Recomendo vivamente. Brilhante!

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=pimqGkBT6Ek

sábado, janeiro 05, 2013

quinta-feira, maio 17, 2012

O que merece. Merece.

Merece ser re-publicado. re-lido. re-imaginado. re-sentido.

Um Segredo de um Casamento FelizDesde que a Maria João e eu fizemos dez anos de casados que estou para escrever sobre o casamento. Depois caí na asneira de ler uns livros profissionais sobre o casamento e percebi que eu não percebo nada sobre o casamento. 

Confesso que a minha ambição era a mais louca de todas: revelar os segredos de um casamento feliz. Tendo descoberto que são desaconselháveis os conselhos que ia dar, sou forçado a avisar que, quase de certeza, só funcionam no nosso casamento. 

Mas vou dá-los à mesma, porque nunca se sabe e porque todos nós somos muito mais parecidos do que gostamos de pensar. 

O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação. Relações temos nós com toda a gente. É uma criação. É criado por duas pessoas que se amam. 

O nosso casamento é um filho. É um filho inteiramente dependente de nós. Se nós nos separarmos, ele morre. Mas não deixa de ser uma terceira entidade. 

Quando esse filho é amado por ambos os casados - que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo -, o casamento é feliz. Não basta que os casados se amem um ao outro. Têm também de amar o casamento que criaram. 

O nosso casamento é uma cultura secreta de hábitos, métodos e sistemas de comunicação. Todos foram criados do zero, a partir do material do eu e do tu originais. 

Foram concordados, são desenvolvidos, são revistos, são alterados, esquecidos e discutidos. Mas um casamento feliz com dez anos, tal como um filho de dez anos, tem uma personalidade mais rica e mais bem sustentada, expressa e divertida do que um bebé com um ano de idade. 

Eu só vivo desta maneira - que é o nosso casamento - vivendo com a Maria João, da maneira como estamos um com o outro, casados. Nada é exportável. Não há bocados do nosso casamento que eu possa levar comigo, caso ele acabe. 

O casamento é um filho carente que dá mais prazer do que trabalho. Dá-se de comer ao bebé mas, felizmente, o organismo do bebé é que faz o trabalho dificílimo, embora automático, de converter essa comida em saúde e crescimento. 

Também o casamento precisa de ser alimentado mas faz sozinho o aproveitamento do que lhe damos. Às vezes adoece e tem de ser tratado com cuidados especiais. Às vezes os casamentos têm de ir às urgências. Mas quanto mais crescem, menos emergências há e melhor sabemos lidar com elas. 

Se calhar, os casais apaixonados que têm filhos também ganhariam em pensar no primeiro filho que têm como sendo o segundo. O filho mais velho é o casamento deles. É irmão mais velho do que nasce e ajuda a tratar dele. O bebé idealmente é amado e cuidado pela mãe, pelo pai e pelo casamento feliz dos pais. 

Se o primeiro filho que nasce é considerado o primeiro, pode apagar o casamento ou substitui-lo. Os pais jovens - os homens e as mulheres - têm de tomar conta de ambos os filhos. Se a mãe está a tratar do filho em carne e osso, o pai, em vez de queixar-se da falta de atenção, deve tratar do mais velho: do casamento deles, mantendo-o romântico e atencioso. 

Ao contrário dos outros filhos, o primeiro nunca sai de casa, está sempre lá. Vale a pena tratar dele. Em contrapartida, ao contrário dos outros filhos, desaparece para sempre com a maior das facilidades e as mais pequenas desatenções. O casamento feliz faz parte da família e faz bem a todos os que também fazem parte dela. 

Os livros que li dão a ideia de que os casamentos felizes dão muito trabalho. Mas se dão muito trabalho como é que podem ser felizes? Os livros que li vêem o casamento como uma relação entre duas pessoas em que ambas transigem e transaccionam para continuarem juntas sem serem infelizes. Que grande chatice! 

Quando vemos o trabalho que os filhos pequenos dão aos pais, parece-nos muito e mal pago, porque não estamos a receber nada em troca. Só vemos a despesa: o miúdo aos berros e a mãe aflita, a desfazer-se em mimos. 

É a mesma coisa com os casamentos felizes. Os pais felizes reconhecem o trabalho que os filhos dão mas, regra geral, acham que vale a pena. Isto é, que ficaram a ganhar, por muito que tenham perdido. O que recebem do filho compensa o que lhe deram. E mais: também pensam que fizeram bem ao filho. Sacrificam-se mas sentem-se recompensados.Num casamento feliz, cada um pensa que tem mais a perder do que o outro, caso o casamento desapareça. Sente que, se isso acontecer, fica sem nada. É do amor. Só perdeu o casamento deles, que eles criaram, mas sente que perdeu tudo: ela, o casamento deles e ele próprio, por já não se reconhecer sozinho, por já não saber quem é - ou querer estar com essa pessoa que ele é. 

Se o casamento for pensado e vivido como uma troca vantajosa - tu dás-me isto e eu dou-te aquilo e ambos ficamos melhores do que se estivéssemos sozinhos -, até pode ser feliz, mas não é um casamento de amor. 

Quando se ama, não se consegue pensar assim. E agora vem a parte em que se percebe que estes conselhos de nada valem - porque quando se ama e se é amado, é fácil ser-se feliz. É uma sorte estar-se casado com a pessoa que se ama, mesmo que ela não nos ame. 

Ouvir um casado feliz a falar dos segredos de um casamento feliz é como ouvir um bilionário a explicar como é que se deve tomar conta de uma frota de aviões particulares - quantos e quais se devem comprar e quais as garrafas que se deve ter no bar, para agradar aos convidados. 

Dirijo-me então às únicas pessoas que poderão aproveitar os meus conselhos: homens apaixonados pelas mulheres com quem estão casados. 

E às mulheres apaixonadas pelos homens com quem estão casadas? Não tenho nada a dizer. Até porque a minha mulher continua a ser um mistério para mim. É um mistério que adoro, mas constitui uma ignorância especulativa quase total. 

Assim chego ao primeiro conselho: os homens são homens e as mulheres são mulheres. A mulher pode ser muito amiga, mas não é um gajo. O marido pode ser muito amigo, mas não é uma amiga. 

Nos livros profissionais, dizem que a única grande diferença entre homens e mulheres é a maneira como "lidam com o conflito": os homens evitam mais do que as mulheres. Fogem. Recolhem-se, preferem ficar calados. 

Por acaso é verdade. Os livros podem ser da treta mas os homens são mais fugidios. 

Em vez de lutar contra isso, o marido deve ceder a essa cobardia e recolher-se sempre que a discussão der para o torto. Não pode ser é de repente. Tem de discutir (dizê-las e ouvi-las) um bocadinho antes de fugir. 

Não pode é sair de casa ou ir ter com outra pessoa. Deve ficar sozinho, calado, a fumegar e a sofrer. Ele prende-se ali para não dizer coisas más. 

As más coisas ditas não se podem desdizer. Ficam ditas. São inesquecíveis. Ou, pior ainda, de se repetirem tanto, banalizam-se. Perdem força e, com essa força, perde-se muito mais. 

As zangas passam porque são substituídas pela saudade. No momento da zanga, a solidão protege-nos de nós mesmos e das nossas mulheres. Mas pouco - ou muito - depois, a saudade e a solidão tornam-se insuportáveis e zangamo-nos com a própria zanga. Dantes estávamos apenas magoados. Agora continuamos magoados mas também estamos um bocadinho arrependidos e esperamos que ela também esteja um bocadinho. 

Nunca podemos esconder os nossos sentimentos mas podemos esconder-nos até poder mostrá-los com gentileza e mágoa que queira mimo e não proclamação. 

Consiste este segredo em esperar que o nosso amor por ela nos puxe e nos conduza. A tempestade passa, fica o orgulho mas, mesmo com o orgulho, lá aparece a saudade e a vontade de estar com ela e, sobretudo, empurrador, o tamanho do amor que lhe temos comparado com as dimensões tacanhas daquela raivinha ou mágoa. Ou comparando o que ganhamos em permanecer ali sozinhos com o que perdemos por não estar com ela. 

Mas não se pode condescender ou disfarçar. Para haver respeito, temos de nos fazer respeitar. Tem de ficar tudo dito, exprimido com o devido amuo de parte a parte, até se tornar na conversa abençoada acerca de quem é que gosta menos do outro.Há conflitos irresolúveis que chegam para ginasticar qualquer casal apaixonado sem ter de inventar outros. Assim como o primeiro dever do médico é não fazer mal ao doente, o primeiro cuidado de um casamento feliz é não inventar e acrescentar conflitos desnecessários. 

No dia-a-dia, é preciso haver arenas designadas onde possamos marrar uns com os outros à vontade. No nosso caso, é a cozinha. Discutimos cada garfo, cada pitada de sal, cada lugar no frigorífico com desabrida selvajaria. 

Carregamos a cozinha de significados substituídos - violentos mas saudáveis e, com um bocadinho de boa vontade, irreconhecíveis. Não sabemos o que representam as cores dos pratos nas discussões que desencadeiam. Alguma coisa má - competitiva, agressiva - há-de ser. Poderíamos saber, se nos déssemos ao trabalho, mas preferimos assim. 

A cozinha está encarregada de representar os nossos conflitos profundos, permanentes e, se calhar, irresolúveis. Não interessa. Ela fornece-nos uma solução superficial e temporária - mas altamente satisfatória e renovável. Passando a porta da cozinha para irmos jantar, é como se o diabo tivesse ficado lá dentro. 

Outro coliseu de carnificina autorizada, que mesmo os casais que não podem um com o outro têm prazer em frequentar, é o automóvel. Aí representamos, através da comodidade dos mapas e das estradas mesmo ali aos nossos pés, as nossas brigas primais acerca das nossas autonomias, direcções e autoridades para tomar decisões que nos afectam aos dois, blá blá blá. 

Vendo bem, os casamentos felizes são muito mais dramáticos, violentos, divertidos e surpreendentes do que os infelizes. Nos casamentos infelizes é que pode haver, mantidas inteligentemente as distâncias, paz e sossego no lar. 

Miguel Esteves Cardoso, in "Jornal Público"

Tema(s): Casamento

domingo, fevereiro 19, 2012

A "must see" Movie.

A este filme tarde cheguei. (Tarde significa mesmo o quê?). É de 2007. Denzel Washington. The Great Debaters. Tarde mas em tempo acertado. O Hoje.

Pela liberdade. Pela tolerância. Pela justiça. Pela paz. Pelo direito à educação. Pelo respeito comum. Pelo desenvolvimento mental que dirija para essa verdade.

Pelo caminho e pela chegada. Pela mudança em nome da verdade (a verdade dos direitos fundamentais). Do correcto e do certo.

Mais em...

http://www.imdb.pt/title/tt0427309/


Mr Tolson: "Who is the judge?"

Debaters: "The judge is God!"

Mr Tolson:"Why is God the judge?"

Debaters: "Because it is him who decides who wins or looses, not my opponent!"

Mr Tolson: "Who is your opponent?"

Debaters: "He doesn't exist!"

Mr Tolson: "Why does he not exist?"

Debaters: "Because he is merely a voice dissenting from the truth I speak!"


"Fazemos o que devemos para fazer o que queremos".
Bom fim de semana,

Gustavo Neves Lima