Olhas o céu, em que pensarás tu? Está sol sem dúvida. O céu está limpo. Está frio. O chão em que me sento está porco e gelado também. Não me importo, olhar-te dá-me um prazer terrível neste momento. Sentir a tua paz, desesperas? O teu olhar faz-me saudades. Por ti, olho o meu avô. Aquele que já não tenho e realmente nunca tive talvez. Saudades então de quê? Não sei. De observar a experiência de uma vida, um caminho já vivido? Não sei.
Olhas, e olhas e olhas. Pareces-me agora alguém só. Estarás só? Talvez. Só te observo, não te pergunto nada. Só deduzo. E voltas a olhar... ainda és curioso, esta vida ainda te causa espanto, espanto de quê, oh meu velho? Porque vives tu ainda? Porque abraças a vida, em que acreditas tu?
Ouvi a tua voz através de um pequeno trecho de comunicação que tiveste com um vizinho, "saúde" disse o vizinho despedindo-se. Não é o que todos queremos também? Viver?
Abraças esta rua, é tua. Os pássaros que alimentas, são teus. A vida. Tua. Tu decidirás um dia quando a deixar. Eu decidirei um dia quando começar a abraçar e amar.
Adeus meu velho, adeus... vou seguir o meu caminho. Que caminho? Um qualquer escolhido por mim, um que me faça também um dia atingir a paz. Já abandonaste a janela, eu abandono agora o chão frio, frio porque estou vivo e sou quente, só por isso tal sensação."
Gustavo Lima, Lisboa
31 de Janeiro de 2005 (15h50)- Perto do Hospital de Jesus à espera dos meus pais.
Este foi o pedaço de cartão que arranquei para escrever, visto que não havia papel à mão. Saquei da caneta e comecei a escrever. Libertou. Foi bom. Realizei-me. Fui livre.