" ... A vista de Lisboa de um avião da TAP que regressa é sempre comovente. Ningúem me convence que os nossos pilotos não seguem um secreto trajecto panorâmico, estabelecido por um antigo pacto de forças da saudade com as forças do ar.
Já qundo partem de Lisboa, os aviões da TAP viram as costas a Lisboa logo que podem, fartos de lá estar e ansiosos por chegarem aonde vão. Ou, se calhar, seguindo o antigo pacto dos pilotos, entre o que os olhos vêem e o que o coração sente, despedem-se depressa, com pressa de lá voltar.
(...)
Quando se parte de Lisboa, virando-lhe as costas, é como estivéssemos num arrufo de namorados. Estamos apaixonados por ela- às vezes sem saber- mas zangámo-nos com ela e fazemos de conta que vamos deixá-la.
Ou fingimos que nos zangámos, para podermos ir à nossa vida, sabendo muito bem que, mal possamos, estamos lá outra vez, voltando a Lisboa como se nunca a tivéssemos deixado. Para podermos partir, metemos na cabeça que estamos farto dela. Nem olhamos para ela. Lisboa que fique para trás, que nós temos mais que fazer.
E lá vamos, traindo-a alegremente com outras cidades, entregando-nos a todos os encantos que Lisboa não tem. (...)
... melhor ainda, confesso, foi voltar a Lisboa. Sentimos aquela tristeza portuguesa de saber que tínhamos roubado e perdido dias em Portugal, que nunca mais nos serão devolvidos. Lisboa recebeu-nos bem mas, por muito que disfarçasse, via-se que tinha acusado o toque, mas com vaidade, mentindo-nos que não tínhamos perdido nada.
Mas perdemos. Ganhado apenas o prazer, mais uma vez, de lá voltar."
Miguel Esteves Cardoso, in revista UP- TAP Portugal.
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