I
Céu: todo o território onde a vida é mais leve do que o ar.
Para os mais velhos, um lugar desprovido de passado,
como existir o canto de uma ave, sem que exista ave
O lugar para onde ascendem os sonhos, inclusive os maus.
II
Viagem: todo o movimento de aproximação de uma
pessoa a outra. Movimentos de fuga não são viagens.
III
Noite: o vazio que há entre as estrelas. A solidão pode ser
também uma representação da noite- digamos, o vazio
que há entre as pessoas.
IV
Terra: para a maioria dos filhos do céu, a terra é uma
fantasia dos velhos. Para os velhos é um sonho no qual eles
próprios já não acreditam.
V
Magia: chama-se magia à forma como o sonho interfere
com a realidade, modificando-a. O céu foi sempre um
território propenso à magia. Em quase todas as antigas
religiões, magos, profetas e deuses manifestaram-se a partir
do céu, ou representantes ao céu depois de se manifestarem.
Magia é haver tanto céu.
VI
Mar: o céu em estado líquido. O princípio e o fim de
tudo. Em quimbundo, e em vários outros idiomas
africanos, a palavra que nomeia o mar é a mesma que
nomeia Deus. É o lugar para onde vão os corpos das
pessoas depois que morrem. As almas, creio, continuam no
céu- ou vão para um céu acima deste. Essa é uma
questão em debate. O céu dispõe-se em camadas, como
uma cebola infinita. Por mais que a descasquemos, há
sempre céu.
VII
Voar: esforço de desmemória que consiste em extrair da
mente todo o peso do real.
VIII
Identidade: não tem a ver com o lugar onde nascemos,
pois no céu tudo é movimento, e sim com os lugares
por onde passamos. Identidade é o que a viagem faz de nós
enquanto continua. Só os mortos, os que deixaram de
viajar, possuem uma identidade bem definida.
IX
Sonhar: exercício que consiste em imaginar o impossível,
para depois o realizar. Como voar.
X
Nuvens: água em estado onírico. O alfabeto do céu.
XI
Esperança: é o nome que damos às nuvens quando nos
falta a água.
XII
Vida: é tudo o que sonha.
XIII
Epifania: um súbito e quase milagroso sentimento de
compreensão de algo. Um relâmpago íntimo e silencioso,
capaz de dividir a vida de uma pessoa em duas partes-
atrás a escuridão, adiante uma luz redentora.
XIV
Luz: o que fica dos sonhos depois que nos atravessam.
XV
Liberdade: condição de um ser não sujeito ao
constrangimento de limites físicos ou de pensamento.
A possibilidade de correr sem tropeçar em muros ou
paredes, ou sem cair no vazio. O capim crescendo para
o céu. O destino de todos os perfumes, em particular do
cheiro da terra molhada.
(O melhor da viagem é o sonho)
Excertos de A Vida no Céu de José Eduardo Agualusa
Um obrigado (Mónica) (Martins).
Gustavo Neves Lima
Céu: todo o território onde a vida é mais leve do que o ar.
Para os mais velhos, um lugar desprovido de passado,
como existir o canto de uma ave, sem que exista ave
O lugar para onde ascendem os sonhos, inclusive os maus.
II
Viagem: todo o movimento de aproximação de uma
pessoa a outra. Movimentos de fuga não são viagens.
III
Noite: o vazio que há entre as estrelas. A solidão pode ser
também uma representação da noite- digamos, o vazio
que há entre as pessoas.
IV
Terra: para a maioria dos filhos do céu, a terra é uma
fantasia dos velhos. Para os velhos é um sonho no qual eles
próprios já não acreditam.
V
Magia: chama-se magia à forma como o sonho interfere
com a realidade, modificando-a. O céu foi sempre um
território propenso à magia. Em quase todas as antigas
religiões, magos, profetas e deuses manifestaram-se a partir
do céu, ou representantes ao céu depois de se manifestarem.
Magia é haver tanto céu.
VI
Mar: o céu em estado líquido. O princípio e o fim de
tudo. Em quimbundo, e em vários outros idiomas
africanos, a palavra que nomeia o mar é a mesma que
nomeia Deus. É o lugar para onde vão os corpos das
pessoas depois que morrem. As almas, creio, continuam no
céu- ou vão para um céu acima deste. Essa é uma
questão em debate. O céu dispõe-se em camadas, como
uma cebola infinita. Por mais que a descasquemos, há
sempre céu.
VII
Voar: esforço de desmemória que consiste em extrair da
mente todo o peso do real.
VIII
Identidade: não tem a ver com o lugar onde nascemos,
pois no céu tudo é movimento, e sim com os lugares
por onde passamos. Identidade é o que a viagem faz de nós
enquanto continua. Só os mortos, os que deixaram de
viajar, possuem uma identidade bem definida.
IX
Sonhar: exercício que consiste em imaginar o impossível,
para depois o realizar. Como voar.
X
Nuvens: água em estado onírico. O alfabeto do céu.
XI
Esperança: é o nome que damos às nuvens quando nos
falta a água.
XII
Vida: é tudo o que sonha.
XIII
Epifania: um súbito e quase milagroso sentimento de
compreensão de algo. Um relâmpago íntimo e silencioso,
capaz de dividir a vida de uma pessoa em duas partes-
atrás a escuridão, adiante uma luz redentora.
XIV
Luz: o que fica dos sonhos depois que nos atravessam.
XV
Liberdade: condição de um ser não sujeito ao
constrangimento de limites físicos ou de pensamento.
A possibilidade de correr sem tropeçar em muros ou
paredes, ou sem cair no vazio. O capim crescendo para
o céu. O destino de todos os perfumes, em particular do
cheiro da terra molhada.
(O melhor da viagem é o sonho)
Excertos de A Vida no Céu de José Eduardo Agualusa
Um obrigado (Mónica) (Martins).
Gustavo Neves Lima
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